quarta-feira, 23 de maio de 2012

O outro lado da cruz


A imagem de uma cruz é uma imagem forte, eloquente. A maioria das pessoas concordaria com a afirmação segundo a qual não é fácil ficar impassível diante da imagem de um crucifixo. Entretanto, a maioria de nós, talvez por sermos já demasiadamente acostumados com sua presença, nem chega a percebê-lo realmente, semelhante ao que acontece quando – de tão acostumados com sua presença – já nem percebemos o sofrimento dos mais necessitados que, às vezes, moram ali, ao nosso lado.
Esta nossa “cegueira” certamente espantaria os primeiros cristãos, nossos irmãos, para quem o crucifixo era um sinal tão forte que foi evitado por muito tempo. Basta uma rápida olhada na iconografia cristã dos primeiros séculos para perceber que o crucifixo foi introduzido bastante tardiamente como símbolo cristão. No final das contas, era um instrumento de tortura e morte. Também nós hesitaríamos em empregar uma forca ou a cadeira elétrica como símbolos religiosos.
É natural, portanto, que alguns, diversamente do que ocorre com a maioria das pessoas, consigam sim enxergar o crucifixo em toda a sua significação e, indo ainda mais longe, sejam capazes de ver o que a maioria nem sequer imaginaria. Catherine, por exemplo, olhando o crucifixo, via também o outro lado, aquele vazio. Em sua sensibilidade, sentia como se o lado vazio da cruz a chamasse, a esperasse. O raciocínio é simples: se o cristão é um outro Cristo, deve ser crucificado; a cruz possui dois lados, o primeiro está ocupado pelo Senhor, o outro, é meu!
Mas a cruz implica também outros ferimentos, em especial, ter o coração traspassado pela lança do amor de Deus. Catherine enxerga nesta chaga a nossa capacidade de levar o mundo inteiro a Deus, fazendo-o passar, antes, pela chaga do nosso coração. É como se o caminho que leva o Outro a Deus passasse, necessariamente, pelo meu coração. Nosso coração parece ser, naturalmente, fechado; felizmente existe uma forma de abri-lo ao próximo: a cruz e a lança!

“O único caminho possível, pelo qual a esperança pode ser reconduzida ao
mundo, consiste em afiar a lança e cravá-la no próprio coração,
pela renúncia e pelo sacrifício, à maneira como o coração de Cristo
foi alanceado. Assim haverá em cada coração uma porta aberta para o amor
e para a esperança (...) Assim é que o nosso coração pode levar outros
ao coração de Cristo, de onde ressurgirão para a alegria e a esperança.”
Catherine de Hueck Doherty
(Em “Sobornost: União na Fraternidade”- Título original: Sobornost: Eastern Unity of Mind and Heart for Western Man)

sábado, 31 de março de 2012

A alegria e a dor

“O que esperais, meus bem-amados, uma vida sem sofrimento?” é a pergunta que Catherine dirige aos seus filhos espirituais em uma das suas muitíssimas cartas “circulares”. A mesma pergunta poderia, sem dúvida, ser dirigida a cada um de nós, afinal, somos os filhos de uma época que detesta tudo o que é relacionado com a dor, com o sofrimento, com o desgosto.
De certo modo, temos que compreender nosso tempo, olhá-lo com carinho. É compreensível que as pessoas de hoje (como as de ontem) queiram fugir do sofrimento, é um movimento natural, quase uma reação involuntária. O problema do nosso tempo não reside em querer fugir do sofrimento, mas na ilusão – inédita na história da humanidade – de que tal fuga seja possível.
Os Homens de ontem fugiam da dor como nós hoje o fazemos, mas eles, muito mais realisticamente que nós, sabiam muito bem que fugir de toda e qualquer dor é impossível para a natureza humana. Somos por natureza chamados ao infinito, à plena realização, à felicidade, mas porque nossa natureza é manchada pelo pecado, nossas forças – já naturalmente limitadas – encontram-se obscurecidas e confusas.
Nós, Homens de hoje, somos tão limitados quanto eles, Homens de ontem. Nós, diferente deles, somos incrivelmente mais ingênuos, parece que já não reconhecemos nossos limites, não queremos aceitar nossa condição. Não somos perfeitos, mas agimos como se fôssemos. Não aceitamos a dor, o sofrimento, a morte, porque são, talvez, as últimas realidades que teimam em nos recordar esta triste verdade: não somos deuses!
Deus não criou a dor, nem o sofrimento, nem mesmo a morte. Fomos criados limitados, é claro, mas com uma natural vocação à imortalidade, à plena auto-realização, a uma vida ilimitada. Deus, apesar de todos os nossos pecados, não desistiu do Seu plano divino, e usa até dos frutos da nossa desobediência para nos levar ao cumprimento deste plano de amor: em Deus o nosso sofrimento adquire valor salvífico!
Saber sofrer, aprender com o sofrimento, crescer com ele. Ter a morte diante dos olhos para melhor viver. Saber que a dor é capaz de transformar-se em alegria se é vivida em espírito de humildade. Para os humildes, a dor recorda quem somos: pequenos, dependentes, limitados... filhos do Pai que, exatamente por sermos pequenos e limitados, nos leva ao colo e nos transmite toda a sua alegria divina.
Qual o pai, que vendo o filho chorar, não o consola?

“Que espécie de cristão seria você se não houvesse dor em sua vida? Espere por ela, portanto, e dê-lhe boas-vindas, porque a dor é como um fogo enviado por Deus para purificar sua alma, seu coração e sua mente. Por causa dela você deixará de ser egocêntrico e poderá ir ao encontro de todos os seus irmãos e irmãs (...) Mas aonde leva esse sofrimento? Ele certamente não leva à depressão. Não. Ele conduz à alegria, ao amor e à fé. A dor é o cálice do amor.”
Catherine de Hueck Doherty
(Em “Evangelho sem restrições”- Título original: The Gospel without Compromise)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A santidade do clero

Temos assistido de coração partido a explosão de denúncias contra sacerdotes de nossa querida Igreja em todo o mundo. Ainda com maior tristeza tivemos que admitir que muitas das mais terríveis denúncias não eram sem fundamento, mas revelavam uma verdade que nem imaginávamos pudesse existir. Como um verdadeiro cristão deve reagir a tudo isso?
Em primeiro lugar, temos que ter fé e acreditar que este momento doloroso para a Igreja e, em especial, para o sacerdócio, nos trará grandes benefícios e, certamente, muito crescimento e amadurecimento. Afinal, não foi o próprio Senhor que nos garantiu que a verdade nos faria livres (cf. Jo 8, 21)? Basta-nos, então, ao invés de julgar os irmãos, agradecer ao Senhor que não permite que as trevas da mentira encubram a luz da verdade.
Mas então, diante da triste realidade de sacerdotes  que vivem como se não conhecessem a Cristo, como poderíamos ainda acreditar na santidade do sacerdócio? Catherine possuía um imenso carinho pelos sacerdotes e uma verdadeira devoção pelo sacerdócio. Talvez seja este o grande mistério. Saber reconhecer que além da pessoa do sacerdote, Homem como qualquer um de nós, existe a imensa e extraordinária realidade do sacerdócio.
É verdade, um sacerdote em  particular pode  ou não ser um santo homem, trata-se de sua santidade pessoal. Muitíssimos sacerdotes foram exemplo para todo o seu povo de uma clara e límpida vida de santidade. Um santo sacerdote é uma imensa riqueza para o seu rebanho, e seu rebanho sabe disso. Temos  que saber, entretanto, que medir o grau de santidade de uma pessoa é tarefa das mais difíceis, e diante de uma vida de que transpira santidade, seja um ministro ou um fiel, melhor simplesmente elevar ao Senhor um canto de reconhecimento, simples, sincero e despretensioso.
Entretanto, ainda se forem tíbios em sua fé, ou mesmo grandes pecadores, existe nos sacerdotes algo a ser respeitado e venerado, o seu sacerdócio. O sacerdócio não transforma automaticamente o sacerdote em um santo, mas porque o seu não é um sacerdócio qualquer, mas o Sacerdócio de Cristo, é digno de admiração e veneração. Seja o sacerdote um Pedro ou um Judas, é a Cristo que pedimos a bênção e o perdão, a palavra e o conselho, o alimento e a força.

“De repente, sumiu da minha mente, do meu coração e da minha alma todo desejo de acusar qualquer um destes padres por sua falta de fé, fraqueza ou imaturidade.
Eu fui subitamente tomada por amor e compaixão.
Eu quis tomá-los em meus braços como se fosse a mãe deles ou a irmã mais velha.
Eu quis consolá-los. Eu quis dizer-lhes o quanto eu amava o sacerdócio deles,
que é o único sacerdócio de Cristo.
Eu quis dizer-lhes o quanto eu e todos nós leigos precisamos deles.
Mas mesmo nossas necessidades desaparecem neste amor e compaixão que me abarcaram.”

Catherine de Hueck Doherty
(Em “Querido Padre”- Título original: Dear Father: A  message of Love to priests)